Segundo Guetta, há ainda um problema técnico e jurídico visto que não existe uma definição normativa legal do que é floresta e o que não é floresta. “Isso abre margem para que a regulamentação, seja agora ou em governo futuro, por exemplo um que passe as boiadas, ocorra de forma a deturpar a situação. Acarreta uma super insegurança jurídica”, explica.
Durante a sessão da CCJ, Redecker minimizou esse temor, disse que o PL não abre margem para derrubar “uma árvore sequer” e que áreas já estão em uso pela agropecuária. “Não há nexo nenhum em nós mantermos uma área que já é utilizada pelo homem como uma área proibida para a agricultura”, disse.
“Falo de áreas onde já existe o manejo do homem passando com a sua lida de campo, com a criação de gado, com a criação de outros animais, com a construção de cercas e de currais, com a construção de estruturas para armazenamento de alimentação, enfim, esses campos já são utilizados. Já existe ação humana nesses campos”, complementou.
De acordo com a nota da SOS, não é bem assim. No Pantanal, por exemplo, que tem cerca de 50% de sua superfície coberta por campos nativos, segundo cálculos do MapBiomas, os campos de fato são historicamente usados pela pecuária. “Mas continuam em bom estado de conservação e prestando todos os serviços ambientais originais (proteção do solo, alimento e habitat para a fauna e flora silvestres etc.)”, aponta a ONG.
“Há, no entanto, inclusive em função das mudanças no clima, uma crescente pressão para conversão dos campos nativos em agricultura (soja), o que representa uma ameaça existencial a esse importantíssimo ecossistema”, alerta.
Ainda de acordo com a nota, no caso do Pantanal, “a lei determina que novas autorizações de supressão só possam ocorrer em casos excepcionais, de forma a não comprometer a capacidade de suporte desse ecossistema”. Na avaliação dos ambientalistas, o substitutivo elimina essa proteção legal. “Podemos afirmar, sem exageros, que o texto a ser votado, se aprovado, pode levar a maior área úmida do Planeta ao colapso ecológico em menos de uma década”, afirma a organização.
No Cerrado, o impacto também pode ser grande. Segundo a nota, “parte importante dessa vegetação campestre se situa em áreas úmidas (campos úmidos, veredas, campos de murunduns etc.), as quais têm enorme importância para o balanço hídrico de vastas regiões, além de terem um grande número de espécies endêmicas”.
O engenheiro agrônomo Antonio Oviedo, também pesquisador do ISA, me explicou que essas vegetações são extremamente importantes para a recarga de aquíferos. Sem elas, o solo pode ficar impermeabilizado, prejudicando a segurança hídrica.
A votação na CCJ foi feita em caráter conclusivo, o que significa que o PL já pode seguir para o Senado. O deputado Chico Alencar (PSOL-RJ) disse que vai apresentar um recurso para que passe pelo plenário da Câmara também. Mas para isso, o requerimento precisa ser aprovado pela maioria do plenário e quem decide se ele será pautado é o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL). A expectativa, portanto, não é das melhores.
Esse é mais um episódio de ataques da bancada ruralista às leis ambientais. Em 2012, o Código Florestal foi reformado, tornando-se bem menos restritivo que sua versão anterior, de 1965. Apesar de não ter saído exatamente como o agronegócio queria, o texto flexibilizou bastante a proteção, reduzindo as necessidades de recuperação de áreas ilegalmente desmatadas e concedendo uma anistia a desmatadores. Foi uma importante vitória ruralista, e muitos especialistas veem na mudança o início da retomada do desmatamento no Brasil.
O agro gosta de se vender como uma atividade sustentável, que atua em respeito ao meio ambiente, e um dos argumentos que sempre usa para isso é dizer que no Brasil há uma das legislações mais rigorosas do mundo. A bancada, no entanto, atua diligentemente para enfraquecer cada vez mais a lei. |